terça-feira, 7 de agosto de 2012

A útima crônica "Fernando Sabino"

Atividades da Professora Seane (Língua Portuguesa)
Atividades de Leitura para os alunos d0 9º ano da escola Professor paulo Freire
A última crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.

O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso."
Fernando Sabino

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Cronicas das olimpíadas de Língua Portuguesa

Atividades de leitura para os alunos do 9º ano.Textos finalistas da Olimpíada de Língua Portuguesa 2010. Gênero "Cronicas"
Professora Seane















Cronicas 
Pela primeira vez, em 2010, a crônica foi incluída entre
os gêneros textuais que fazem parte da Olimpíada de Língua
Portuguesa Escrevendo o Futuro.
Notícia ou texto literário? Por apresentar múltiplas facetas,
mais do que um gênero textual, a crônica traz um olhar
particular. Ao recortar cenas do cotidiano, o autor ilumina
situações, fatos, dando-lhes destaque, atribuindo-lhes um
novo sentido. O que poderia passar despercebido torna-se
encantador, envolvente, surpreendente, marcante.
Ao contrário do que parece, a criação de uma crônica não é
tarefa simples. Construir um sensível olhar pensante,
selecionando e amarrando os detalhes, é o primeiro passo
para elaborar um texto interessante que transporta o leitor
para a perspectiva do escritor.
Sensações, observações, lembranças e casualidades se
misturaram: nossos jovens cronistas identificaram personagens
pitorescos, construíram novos sentidos para experiências
cotidianas e passaram a valorizar o lugar onde vivem.
Os alunos aceitaram o desafio de trazer fragmentos da realidade
e do cotidiano para serem transformados em palavra escrita.
Ao ler essas crônicas, você terá a oportunidade de conhecer
um pouco do modo de ser e viver através das lentes de alunos
das escolas públicas brasileiras dos quatro cantos do país.



Agradando a gregos e troianos
Aluna: Giovanna Scalabrini Antunes
Moro em Maringá praticamente desde que nasci e poderia dizer que cidade mais
bela não há (limpa, arborizada, poucos crimes, muitos empregos...), não fosse pela
rodoviária velha maldemolida.
Há um tempo atrás a prefeitura ordenou a demolição, pois o prédio estava condenado,
mas os funcionários pararam o serviço na metade (por questões políticas,
quem sabe...).
Reza a lenda que em um belo dia na prefeitura um vereador iniciou a seguinte
discussão:
— Senhor prefeito, acredito que aquela rodoviária não há de servir para mais
nada, tanto que fiz uma pesquisa – disse o homem – e tivemos um resultado curioso.
Pegou um papel em seu bolso, desdobrou cuidadosamente e entregou ao seu
superior, que falou:


— 50% da população concorda com a demolição e... 50% não?
— Exatamente.
— É complicado. Tenho que fazer alguma coisa para agradar esse povo, senão...
– constatou o prefeito. — Alguém tem alguma sugestão?
Um silêncio desconfortável instalou-se na sala de reuniões. Muitos daqueles que
lá se encontravam pensaram (mas não falaram) nas mais nobres ideias: “Podemos
conversar com o síndico”, “É melhor se entender com o juiz”. Foi quando uma misteriosa
voz surgiu ao fundo da sala.
— Licença – era o faxineiro. — Eu tenho uma proposta.
O senhor largou a vassoura de lado e aproximou-se dos políticos.
— Já que é o único a ter alguma ideia, diga senhor...
— José.
— Diga, senhor José.
— Pois bem – pigarreou, sentindo-se importante. — Já que metade da população
quer que destrua a rodoviária e a outra metade não... Destrói só metade dela, uai!
Assim todo mundo fica contente.
Se o prefeito decidiu pôr em prática a ideia do humilde faxineiro, ninguém sabe...
Só sabemos que enquanto ele não der segundas ordens, continuaremos com uma
rodoviária demolida pela metade “embelezando” nossa cidade.
Professora: Cecília Pope Guerra
Escola: CAP – VEM • Cidade: Maringá – PR



Ah! Quantas primaveras!
Aluna: Bárbara Maria Carneiro da Silva
Lá estava eu sentada no banco da praça. Sabe aquela praça por onde todos passam,
riem um para o outro? Onde velhinhos vivem jogando baralho e irradiando simpatia a
todos... onde as árvores são lindas e verdes e, após uma hora de caminhada, oferece
repouso para minhas cansadas pernas!? Mas aquela não era uma praça qualquer, era a
praça da minha cidade... ah, Cordeirópolis! Então, por este e por mais mil motivos, ela
nunca deixará de ser especial.
Meus olhos piscaram e, de repente, refleti sobre o que seria daquela praça sem as
pessoas, sem as anciãs enraizadas que carregam em cada folha que cai ao chão a esperança,
sem o vento a sussurrar em meus ouvidos e solenemente bater em meus cabelos e
bagunçá-los... mas, afinal, o que seria dali sem os velhinhos que todos os dias se reúnem
para jogar cartas nas mesinhas construídas especialmente para eles? Conseguem imaginar
isso? Quanta alegria! Que praça especial! Talvez eles estejam lá também para se encontrarem
e darem um ao outro o prazer de terem um amigo e ensinarem que por mais que o
tempo tenha passado a vida ainda não acabou!
Permaneci sentada sozinha e, no decorrer da reflexão, avistei uma mulher com muitas
primaveras, mas não era uma senhora qualquer. Eu sentia dentro de mim que aquela dama
era especial.
Ela também estava sentada sozinha do outro lado da praça, talvez reparando na natureza,
nas maravilhas da vida. A coitadinha tinha os cabelos brancos, a pele enrugada, talvez
não sorrisse porque não tinha seus lindos e queridos dentes, que se perderam no decorrer
das estações.
Comparei aquela dama com uma linda e gigantesca árvore imponente ao lado do banco
no qual eu ali estava sentada. Quanta semelhança! Aquela árvore já foi uma semente, logo
depois virou um broto e, em seguida, virou uma muda, e depois virou uma pequena árvore,


e logo cresceu, e depois se transformou, e deu seus frutos, e aos poucos envelheceu, mas
continuou com sua beleza esplêndida. E, a cada momento, fui tendo a certeza de que aquela
senhora dava um colorido diferente àquele cenário.
Aos poucos, fui me aproximando daquela humilde senhora, até que comecei a sentir
ternura por suas alvas madeixas e não deixei de notar que nós duas tínhamos muito em
comum.
Fui chegando cada vez mais perto, já sentindo. Sintam que delícia! Sentei-me ao seu
lado, olhei no fundo dos olhos dela e consegui a coragem para me desculpar: “Como sou
distraída! Desculpe-me, vovó, estou distraída”.
Professora: Edinéia Rodrigues Simões Diório
Escola: C. T. I. Jamil Abrahão Saad • Cidade: Cordeirópolis – SP


As cidades
Aluna: Danielly Cristine Justino da Silva
Caro leitor, esta crônica é sobre minha prima Maria, uma nordestina de 18 anos que
sonhava morar na Cidade Maravilhosa. Não vá pensando que ela é como a personagem
“Macabéa”, do livro A hora da estrela, de Clarice Lispector, pois não é. Eu a conheço bem,
conversamos muito pela internet e, nessa viagem, sou seu cúmplice.
Ao ver Maria descendo do ônibus, na rodoviária, eu era capaz de saber o que ela trazia
na alma e no pensamento. Sabe aquilo que se sente quando se é criança e que quando se
é adulto atinge um alto grau de plano orientado para um dado fim real?
Pois bem, ao sonho ela misturou determinação, curiosidade, devaneio e outros ingredientes.
Com essa combinação, eis o que se formou: esperança, lugar fértil para continuação.
Ela acreditava que só imaginar fortemente uma vida, mesmo encontrando-se noutra, o
imaginado agiria lentamente sobre o destino a favor da realização.
E na minha frente, de braços abertos, estava ela à minha espera.
A caminho de minha casa, o deslumbramento dela, com as belezas naturais e arquitetônicas
da cidade, era quase infantil. Quando viu a praia, seus olhos eram só encantamentos.
“Tudo o que poderia existir de belo já existe, nada mais poderá ser criado, apenas revelado”,
disse-me, sem se deixar abstrair do mundo lá fora, que pulsava vivo e cheio de possibilidades.
Chegando à Rocinha, seus olhos a pegaram desprevenida. Era outro Rio de Janeiro –
uma cidade dentro de outra. Uma cidade oculta, que os cartões-postais não mostravam.
Era uma cidade viva e envergonhada de mostrar tanta força, de gente perdida e miúda,
coberta de um viver mecânico e barulhento, e também de pessoas boas e conscientes.
“Pena que essas pessoas não sabem que podem, se a consciência fosse avivada pela noção
das coisas ao redor.” “Não lhe deram os remédios destinados a unir o homem às ideias e instituições?”,
perguntou-me depois de um longo silêncio. Não me pareceu que ela quisesse realmente
uma resposta, por isso fiquei em silêncio a observando. Ela, sem mudar a direção de seu olhar,
exclamou: “Isso aqui é um mundo, primo!” Respondi: “É o lugar onde eu vivo, onde você viverá!”
Professora: Damiana Maria de Carvalho
Escola: E. M. Pereira Passos • Cidade: Rio de Janeiro – RJ



A quadra velha
Aluno: Gabriel Batista da Silva

Aqui no lugar onde vivo não tem cinema, lan house, discoteca... aqui tem cavalo, rio,

cachoeira, gente que conta histórias... E, acima de tudo, aqui tem uma quadra. Uma quadra
velha. Velha e pequena, só tem espaço para seis jogadores de cada lado. Uma quadra velha
e pequena onde cabe inteira a nossa imensa alegria.
Ali a bola rola, enrola, rebola, embola, solta, samba, sapateia... Ali vale tocar a bola de
chuteira, de chinelo ou de pé no chão. Ali vale jogar menino, menina, velho, magrela e gordão.
Vale entrar de sola, de carrinho e até de bicão. Vale arrebentar o joelho, arrancar a
ponta do dedão... tem gol contra, bola murcha e bola fora.
O que importa é que quando a bola rola na quadra velha o mundo para. As árvores e as
casas espiam. As pessoas que passam pela estrada de terra não resistem, param, assoviam,
batem palmas. Os moleques perdem a hora que se perde no tempo. Cada pai vê em seu filho
o grande craque e sonha com seu menino na seleção. Quem sabe 2014...
Ali, na quadra velha e pequena, adormece a tristeza, o cansaço, a desilusão... ali os
homens se esquecem dos calos, das dívidas, das dores... ali os meninos são magos, são livres,
são pássaros: transcendem, voam... Ali não tem zero, não tem senão. Só tem bola no
chão. Ali eles são uma bandeira verde e amarela hasteada no sertão.
Isso, até que chega a noite escura e sombria. Ela, revestida de negro, faz arriar o sonho,
despe a fantasia, cala a poesia.
Amanhã tem trabalho, tem escola. Dói o calo, o joelho incha, o moleque chora. E a
quadra fica de fato velha e pequena. Fica ali, triste, silenciosa, no escuro. Fica ali à espera
de que os meninos voltem logo e ressuscitem o momento mágico.

Professora: Maria Inês Resende
Escola: E. M. Crispim Bias Fortes • Cidade: Barbacena – MG



Até na igreja, Evaristo?
Aluno: Carlos Eduardo Silva
Ao lado de castanheiras, latidos de cães, choros de crianças, gritos de vendedores ambulantes...
e nas casas o forte cheiro de café passado na hora anuncia o despertar de mais um
dia na Vila Taquaril. Com toda a disposição, Evaristo se levanta animado, pois era um dia
muito importante para seu time: jogaria pela primeira vez num amistoso.
Evaristo era a pessoa mais conhecida da Vila, morava no melhor ponto: a Praça Alegria.
Por ser uma pessoa muito influente na Vila, tinha como dever participar de todos os eventos
que lá aconteciam.
Como fã nº-1 do seu time, o Tabajara, Evaristo era um especialista na arte do futebol,
sempre fora convidado para ajudar nos treinos dos jogadores mirins, nas manhãs de domingo.
Enquanto treinava os meninos, Evaristo escutou o sino da igreja dando três badaladas.
Diante dessa situação Evaristo ficou muito aflito, andava de um lado para outro, escutando
o anúncio que atormentava sua cabeça.
— Atenção! Hoje haverá missa especial para os moradores às 18 horas. Contamos com
a presença de todos!
“E agora? O que fazer? O jogo está marcado para o mesmo horário da missa!”, pensou ele.
Religioso como ele só e fanático como ele era, não poderia deixar de participar dos dois
compromissos. Assim ele teve uma grande ideia: levaria seu radinho de pilhas à igreja, sentaria
no último banco e usaria uma jaqueta com capuz onde colocaria seu radinho.
A partir desse momento, a ansiedade contagiava Evaristo, que a todo momento olhava
o relógio na expectativa da hora do jogo.

E as horas se foram... a noite apareceu com uma lua radiante, digna de uma missa com
tom bem especial: ação de graças para os devotos e o pedido especial de Evaristo, a grande
vitória do timão Tabajara.
Apesar dos olhares desconfiados das pessoas presentes à missa, Evaristo não se incomodou
e colocou o seu plano em ação: assentou-se no último banco e ligou o radinho, o
jogo estava começando...
À medida que o jogo esquentava as expressões faciais dele mudavam o tempo todo, não
sabia se prestava atenção no padre Donizete ou no narrador do jogo, Salomão.
Tabajara estava sofrendo pressão do time adversário, o Flamengo. Seu time começou a
contra-atacar, suas mãos ficaram frias e suavam desesperadamente. O atacante Peladinha
estava perto do gol... e ao longe o padre se aproximava de Evaristo, notando a angústia no
rosto dele. Quando o padre ia dizer a primeira palavra, surgiu um grito forte e aliviado:
— GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL!
Todos olharam para trás e o padre Donizete perguntou:
— O que é isso, meu filho?
— GOOOL! GOOOL! – exclamou Evaristo.
— Você não pode gritar em uma igreja, senhor Evaristo!!
— Gol do Peladinha, do meu timão, o Tabajara!
— Do Tabajara? O meu Tabajara?
— Sim! O NOSSO Tabajara!
Então, os dois disseram ao mesmo tempo:
— GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL!
Enquanto os devotos da igreja discutiam o caso, o padre e o Evaristo pegaram seus
radinhos e saíram da igreja festejando a vitória do seu time.
Professora: Leda Maria Avila Silva
Escola: E. M. Santos Dumont • Cidade: Belo Horizonte – MG



A cobrança descabelada
Aluna: Maria Jéssica Carneiro
Muitas vezes situações simples como uma cobrança podem tornar-se foco de conflitos
sérios e desconfortáveis. O fato aconteceu no bairro de Outra Banda, no município do Acaraú,
interior do Ceará. O bairro tem esse nome porque havia um riacho, há muito tempo
atrás, que cortava o centro da cidade de um povoado. Toda vez que alguém ia atravessar o
riacho dizia que queria ir para a Outra Banda, daí surgiu o bairro que se desenvolveu às
margens do rio Acaraú e destacou-se pelas indústrias de pescados. Atualmente é um dos
bairros mais populosos da cidade.
E, com tanta gente residindo por ali, não poderia deixar de acontecer alguns espetáculos
de vez em quando. Certo dia, por volta das sete da manhã, voltando da mercearia pertinho
da minha casa, defrontei-me com uma mulher de face visivelmente perturbada que
caminhava de um lado para outro à espera de alguém. De súbito ela avistou quem procurava.
Era a vizinha da frente. Imediatamente, dirigiu-se a ela e disse:
— Pague o que me deve. Comprou tem que pagar.
— Não tenho o seu dinheiro agora! Vá embora! – respondeu a vizinha devedora.
Então, sem muita conversa, a mulher foi embora, mas avisou-a com os olhos cheios de
raiva de que voltaria para pegar o que era seu e não esperaria mais nenhum dia.
Presenciei a cena, intrigada, mas não dei muita importância. Passou e acreditei que
tudo teria acabado, porém, por volta do meio-dia, saboreando um gostoso camurupim,
peixe típico dessa região praiana, quase me engasguei com uma espinha, tamanho foi o
susto que tomei quando ouvi um grito, e outro e mais outro. Estranhei, visto que não era
comum, até então, ouvirem-se gritos na rua, ainda mais naquele horário. Fui até a porta e
um tumulto que se formara na rua aguçou a minha curiosidade. Saí e cheguei mais perto
para verificar o que ocorria. Eram as duas mulheres, cobradora e devedora, que discutiam

com ferocidade. Aos poucos, as pessoas saíam de suas casas para ver o que estava acontecendo.
As palavras que pronunciavam eram cada vez mais fortes e pesadas e ambas pouco
se importavam com as crianças que ali estavam. Na realidade, elas só queriam acertar as
suas contas. Como já era de esperar, as duas engalfinharam-se no meio da rua. Uma puxava
o cabelo da outra com tanta selvageria que nem dava mais para perceber quem era quem.
A multidão que se formara ao redor das duas apreciava atônita e imóvel aquele espetáculo
de horror. Pensei comigo que Outra Banda já não era a mesma. Onde ficou a política de boa
vizinhança? O público olhava, mas não fazia nada.
Por fim, depois de muito cabelo arrancado, a confusão acabou. Tudo em vão! A cobradora
não recebeu o seu dinheiro e saiu do local com o orgulho ferido. A devedora, agora
com fama de má pagadora, foi-se com machucados graves em sua dignidade.
O caro leitor deve ter tido a impressão de que Outra Banda é um bairro um tanto
quanto agitado. Entretanto, perceba que cobranças acontecem diariamente e em todos
os lugares. O diferencial está na forma como ela é feita. Neste caso, a cobradora pouco
paciente e a devedora inadimplente criaram um cenário conflitante que modificou o ambiente
de Outra Banda. Espero que não aconteçam outros fatos assim novamente, mas, só para
garantir os meus cabelos, peço-lhes licença para ir à mercearia pagar uma conta antiga.
Professora: Mirele Maria Rodrigues da Silva
Escola: E. E. F. Professora Francisca Silveira Gomes • Cidade: Acaraú – CE



A Pipa, o Bispo e o Azul
Aluno: Ericles da Silva Santos
Ouvi barulho e vozes crescentes, um zum-zum-zum empesteava o assentamento onde
moro. Quanto mais pedalava, mais me embrenhava num corre-corre alucinado: meninos,
mulheres, todos corriam para a frente do barracão. Que enxame é esse? Que cabrunco está
acontecendo?
Era o Pipa! De novo o Pipa? Dessa vez ele tinha ido longe demais. Estava no alto do pau
de sebo, quase pendurado no topo. Aquele mastro tinha sido colocado ali dois dias antes.
A festa ia acontecer no final de semana: algodão-doce, corrida de ovo e pau de sebo.
“Desce daí, seu doido!” Uns jogavam areia, pedras...
O Pipa era mestre na arte de fazer papagaio. Quando não estava na roça ajudando os
pais, estava viajando nas asas das pipas. Ele se isolava. Dizia que gostava da solidão.
Solidão a três: ele, a pipa e a imaginação... Logo eram seis e depois eram muitos...
Era diferente. Era mesmo feio. Chamava-o de louco. Particularmente, ele tinha algo que
me fascinava. Vez em quando soltava um sorriso azul.

O artista de caçar passarinho e criar pipas estudava comigo, e na mesma sala. Outro dia,
na escola, o professor falou do filho mais ilustre da nossa cidade: Arthur Bispo do Rosário.
Um misto de desapego e curiosidade tomou conta da turma. Pipa foi um dos que deram uma
chance ao professor. Ouviu tudo atentamente. O professor falou da importância de a gente
incorporar o Bispo como elemento nosso. Ele lhe disse que somos conterrâneos do homem
e desconhecíamos sua obra, o seu valor, a sua história. “As pessoas passam pela estátua do
Bispo, na entrada da cidade, e falam mal, e como falam mal: louco, preto, feio e pobre”.
Então ele nos pediu que acrescentássemos a palavra “gênio”.
— Gênio?
Aí o Pipa gritou: “Louco, preto, feio, pobre e gênio!” E riu! Riu tanto que tumultuou a
aula. Subiu na carteira e foi só presepada, muganga. Imitava o Bispo do Rosário, com altas
doses de esquizofrenia.
“Quer levar um sopapo, menino? Está ficando mais besta ainda. Deve ser a escola!
Já disse que Jamerson nunca foi bom da cabeça. E está piorando!”, gritava o pai, meio
desesperado.
“Não ligo, não! Sei que não sou gênio, mas sinto dentro de mim que sou diferente, que
vejo muito diferente dos meus irmãos. Eles não me perdoam por isso. Só minha mãe. Ela é
a minha Nossa Senhora, sempre generosa.”
“Desce daí, meu filho! Você vai acabar matando sua mãe! Gente, ajude aí! Meu Pipa é
sonâmbulo. Ele está é dormindo.”
Quando me viu no meio da multidão, fez cara de súplica. Não me fiz de rogado! Joguei
a bicicleta e desbravei aquele pau de sebo. Não tive dificuldade. Aquele mastro já me conhecia.
Agarrei o meu amigo pela cintura, a multidão uivou, berrou, decepcionada.
Parecia um anjo de olhos cerrados. Tremia os lábios, soltava gaitados. Na mão esquerda
uma pipa azul. Resmungou. Abraçou-me. “Quem é que está aí? Qual é a cor da minha aura?”
                                                                                                              Professor: Luciano Acciole Gomes
                                                                                                              Escola: E. M. Vereador João Prado • Cidade: Japaratuba – SE


Bar doce bar
Aluna: Luana Jaques Santos
O dia é incansável e não termina. O sol ainda resiste e tinge de vermelho os olhos de
quem ficou no boteco o dia todo. O bar está cheio de homens, a maioria maduros ou apenas
envelhecidos. Uma criança passa, compra duas balinhas e vai embora. Mulheres só
passam o olho lá dentro e quase nunca entram. Para os bêbados de plantão tudo é normal
e sempre igual.
Não sei se são notados. Penso que só por alguns. Há aqueles que os cumprimentam.
As pessoas se acostumam a vê-los sempre ali, cartas marcadas, vidas marcadas. São os
ex. Ex-maridos, ex-alunos, ex-trabalhadores. Agora são exilados e se tornaram excluídos.
No passeio está o Tesourão, o cachorro que fez da rua sua moradia. O bêbado, o cão,
rumos perdidos e solidão.
Nossos bares... Neles os amigos se encontram, jogam conversa fora. É onde uma mãe
passa e compra um lanche para o filho. Onde o retireiro toma um café fresco e saboreia um
pastel quentinho.
Na praça histórica da pequena cidade os bancos estão ocupados. São funcionários
públicos, lavadores, balconistas. São comerciantes, artesãos, pedreiros, motoristas. O dono
da Sinuca, o bar mais antigo, enquanto vende, vai instruindo os fregueses a desenrolar papéis:
INSS, inventários, exames médicos. Às vezes ganha um frango em troca. Outras, um
muito obrigado. E sempre amizades. Se chega um forasteiro, dá dicas dos pontos turísticos.
É um guia no balcão.
No bar do Dirceu, os aperitivos acompanham os desabafos dos bêbados. As rodas de
viola dão o tom para o sol se esconder de mansinho e dar lugar à lua tímida. Especial,
especiaria, som saboroso para o fim do dia.

No outro bar, o balconista é ouvido por toda a praça. Daniel, voz estrondosa. Deve ser
por isso que eu também falo alto, herança dele, meu pai. Aquele jogo clássico reúne homens
que cercam o balcão. Estão ansiosos demais para se sentarem. Tudo é discutido,
desde o gramado sintético até o gol irregular. As cadeiras esperam pacientes para o
carteado. Aconchegante, relaxante cantinho.
Cada boteco tem sua personalidade, seu carisma. Mas em dia de procissão todos eles
cerram suas portas pedindo bênção ao santo. Com respeito, as pessoas enfeitam as janelas de
suas casas e a banda de música embala a legião de fiéis. É bonito ver como o povo participa.
Nos bares o espaço é democrático. É onde as ideias de todo mundo são apresentadas
e jogadas a todos os ouvidos. Em volta de uma mesa, todo assunto se resolve: os problemas
do mundo e tudo o mais. É a filosofia do botequim. Estamos falando de uma tribuna
popular. Quer debater? Pode ir lá. É política, futebol, bipolaridades. Ali é prestado serviço
de comunicação: à boca pequena todos ficam por dentro das novidades. Quem chegou,
quem partiu, morreu, brigou ou separou. Também eu deixo meu rastro marcado e vou a um
desses bares, apanho o meu Folha das Vertentes e, a passos largos, volto para casa para ler
a coluna do cronista, este “poeta do cotidiano”.
O dia se vai assim e as portas só fecham depois de toda a cidade, tão calma, ter adormecido.
E a rotina faz dali a segunda casa de muitos homens. Bar doce bar. Ele exerce papel
fundamental na cidadezinha. Nele todos se tornam iguais e se unem para poder suportar a
rotina do ilusório.
                                                                                                                                             Professora: Maria Magali Vale Rodrigues
                                                                                               Escola: E. E. Coronel Xavier Chaves • Cidade: Coronel Xavier Chaves – MG


Beleza cega
Aluno: Pedro Kennedy Oliveira de Sousa
Fim de tarde. Saio da escola, satisfeito por mais um dia de aprendizado. Sigo em frente,
passo por todas as avenidas, atravesso as pistas da BR-060 e me dirijo à parada para esperar
o ônibus que me levará para casa.
Passam-se alguns minutos, avisto de longe o número da linha que irei pegar. Dou sinal
com a mão, o ônibus para. Como de costume, está lotado. Entro, e mesmo em pé me acomodo
entre os passageiros, e o motorista segue viagem.
Muita conversa tomava conta do ambiente. Porém, entre todo esse alvoroço, notava-se
um som, que era, ao mesmo tempo, conhecido e estranho. Procurei descobrir de onde vinha
aquele barulho. Olhei para um lado, olhei para o outro, e nada. As pessoas estão tão
aglomeradas que é impossível ver algo.
O ônibus para. Descem dois passageiros. Mas ainda está muito cheio. Desisto de
procurar. Abaixo a cabeça, mas continuo ouvindo todo aquele batuque, que soava no
fundo do ônibus. Então imaginei: será alguma pessoa ensaiando, naquele espaço, uma
apresentação? Será algum show em meio a todos aqueles rostos cansados e esgotados?
Ou será apenas algumas pessoas brincando com o tal instrumento? A dúvida prevalecia.
Novamente o ônibus para. Cerca de quatro ou cinco pessoas descem. A parte da frente
do carro já não tem muitos passageiros em pé. Pago a passagem, passo pela roleta, com a
ansiedade de saber quem era o artista que viajava conosco.
Tento mais uma vez ver quem era... Impossível!
Pela terceira vez o ônibus para. Ponto movimentado, descem muitas pessoas. As que
permanecem, disputam entre si os lugares vazios. O ônibus anda.

Ouço várias vozes e palmas que acompanham atentamente a batucada. Parada à vista,
sei que mais pessoas irão descer, me preparo para ir ao fundão.
O ônibus para. As pessoas descem. Então, olho para a frente e me deparo com um cego
tocando um pandeiro, passando toda a sua alegria ao instrumento.
Enfim, é hora de descer. Estampo um belo sorriso em meu rosto, admirando todo aquele
talento. Desço do ônibus com a certeza de que a verdadeira beleza de Brasília não está apenas
nas curvas de Niemeyer e sim nas pessoas que dão vida à nossa cidade.
Professora: Jane dos Santos Carrijo
Escola: Centro de Ensino Médio – 01 – CEMNB • Cidade: Núcleo Bandeirante – DF


Belezas da Cidade Mel
Aluno: Jonas Teixeira Ignácio
A cidade onde vivo é um berço de culturas, costumes diversos e belezas inigualáveis. Da
nossa terra pura, doce e amendoada nascem os frutos valorosos, alimentados no seio caloroso
de Içara. As pessoas vivem saciadas e ditosas aqui, na união da boa terra, no ventre quente
do amor. O lugar onde vivo é alegre e luminoso, cheio de pássaros admirados pelo belíssimo
canto, árvores e flores de todos os tipos, tons ou formas.
Aqui as conversas amigáveis desenrolam-se em lugares pouco inusitados e cotidianos:
nos bares de esquina agitados pelo forte aroma do álcool, nas lavouras imensas que sustentam
muitas famílias, nos banquinhos de praça cimentados, no frenesi das filas de ônibus e
também nos deliciosos e revigorantes passeios matinais

A bola corre solta por aqui. Menino ou menina, todos jogam com a mesma destreza,
sem nenhuma distinção. O futebol, seja em campinho de areia, seja em gramado, é a paixão
das nossas crianças. Vê-las correndo, dando sangue e suor pela posse da bola de gomos,
é indescritível. A poeira cintilante levantada pela paixão a este objetivo pulsa firme nos
corações e, de grão em grão, de sonho em sonho, decai lentamente no colo da irmã areia
que conforta seu suor e suas lágrimas em seus doces e carinhosos sulcos.
No fim da partida as crianças estão com a pele melada pela combinação de terra e
suor, seus cabelos emaranhados em contraste com o vento afeiçoam seus lindos rostinhos,
mas mesmo sujas é notável sua alegria inabalável. E assim elas retornam para casa: ofegantes
e decididas, um sorriso no rosto leve e delicado.
Quando amanhece e a brisa da noite se extingue, o trem aparece e felicita os moradores
com seu apito ensurdecedor e melodioso. A fumaça brumosa deixada por ele flutua levemente
até pender graciosa nos trilhos cor de mel. O café neste momento ferve e borbulha
quente e úmido, como nossos corações ávidos por amor.
O suor dos dias de trabalho nas lavouras escorrega da face cansada e penetra com
suavidade no solo, metamorfoseando-se lentamente no mel puro, que existe só aqui, neste
lugar de encantamentos, belezas e terna magia, rotulada a cidade mais doce do Brasil.
Um dia, quem sabe, lá no futuro, quando tudo estiver completamente mudado, se possa
olhar para tudo isso e sentir grandes e vãs saudades. Queira Deus que lágrimas quentes
desçam dos meus olhos e salguem minha face, para que eu me recorde que nada disso foi
mera ilusão. As lágrimas serão as únicas lembranças do mel puro e da terra doce, nascidas
no seio da mãe Içara, que me acalentava e afagava meus medos e inseguranças, na minha
pobre e frágil inocência...
Professora: Silesia Pizzeti Augustinho
Escola: E. M. E. F. Maria Arlete Bitencourt Lodetti • Cidade: Içara – SC


Caminho das águas
Aluna: Victória Cristina Rodrigues
Numa dessas tardes – e porque não impessoais – sentei-me num daqueles bancos
perdidos situados na orla da cidade. Digo perdidos para causar uma emoção boba talvez.
Na verdade, o que se perdeu mesmo foram meus olhos quando involuntariamente encontraram-
se nas águas do Velho Chico.
Ah, o São Francisco... Opará... Velho Chico... não importa o nome, não importa onde
nasceu, por onde passa, nem aonde quer que vá chegar! Tudo o que importa é a sua beleza
que sempre se fez presente naquelas margens. São as histórias que ele tem para nos contar.
São as rimas quase perfeitas e os versos certos e incertos que foram escritos aos seus pés,
num momento de tristeza, de alegria, de loucura lúcida (sim, isso existe!), para um grande
amor, um amigo distante, pelo prazer de escrever, ou até mesmo em sua homenagem. Sim,
pessoas metidas a escritores, artistas e apaixonados (que fique claro: me incluo em tudo
isso!) ousaram escrever versos, cantar músicas e definir o Velho Chico, que, convenhamos,
não cabe em NENHUMA (assim em maiúscula mesmo) definição e racionalização.
Acho até insano e ousado da minha parte tentar enquadrá-lo, pois não há palavra
nenhuma que defina a emoção que brota em nossos corações quando o sol pinta de
dourado aquelas águas tão clandestinas e petulantes, que sem pedir licença cortam
os Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, e separam dois
povos, duas culturas: Petrolina e Juazeiro, e ainda ousam atirar-se ao mar, onde se
fazem eternas.
Queria eu ter os olhos do Velho Chico para ver dona Ana das Carrancas à beira do
rio construir seus sonhos todos feitos de barro... para ver a ponte levantar para as embarcações
passarem... para ver os pescadores trabalharem em perfeita harmonia, e até
rir daqueles que foram atormentados pelo nego d’água... para ver a mãe d’água hipnotizar
os homens que por ali passam de madrugada... para ver Juazeiro crescer e minha
Petrolina nascer.

As tardes sempre passam por entre meus dedos, é chegado o momento que encontro
meus olhos naquelas águas cristalinas, levanto-me do banco perdido e saio caminhando a
passos lentos, pois agora o que se perdeu foi o meu pensamento. Aonde ele foi parar? Nas
águas do Velho Chico que vão desaguar no mar.
Professora: Jailde Maria de Sá Menezes de Oliveira
Escola: Escola de Aplicação Professora Vande de Souza Ferreira • Cidade: Petrolina – PE


Casos, cantos e encantos
Aluna: Thamires Luiza Lemos Pratt da Silva
I-ta-nha-ém. Nome indígena, significa pedra que canta. Cidade histórica, se enche de
turistas nos finais de semana, férias e feriados. Fora dessas datas, é um lugar como outro,
onde as pessoas estudam e trabalham.
Pois bem, em um desses dias comuns peguei o ônibus para o centro, como faço habitualmente.
Atrás de mim estavam sentadas duas senhoras, em uma conversa que me
pareceu bem interessante. Como a curiosidade é um dos meus defeitos, comecei a prestar
atenção ao que diziam:
— Mas quem é esse Benedito Calixto, que citam no hino da cidade? – indagou uma
delas.
— Não sei, será que não é aquele que criou o Poço de Anchieta?
Ah, queria poder explicar que, como o nome diz, o Pocinho de Anchieta é obra do padre
Anchieta. Ele criou uma espécie de cerca de pedras no mar, que prendia os peixes quando
estes eram trazidos pela maré, facilitando a pesca. Mas, ao contrário da curiosidade, intromissão
não é característica minha. Voltei à conversa:
— Acredito que não. Se ele tivesse criado, provavelmente se chamaria Poço de Calixto,
não acha?
— Tem razão. E esse tal de Martim Afonso?
— Parece nome de poeta. Pode ser algum escritor famoso.
Imagine só a minha situação. Nessa hora comecei a ficar agoniada, minha língua coçava
de vontade de dizer às senhoras o que elas ignoravam. Se ao menos prestassem um pouco
de atenção na letra do hino: “... a natureza de Calixto em tons de amor...”, “Martim Afonso
ancorava as caravelas...”, poderiam deduzir quem eles foram. E o papo continuava:
— Ei, Benedito Calixto não é o nome daquele lugar no centro, a Casa do Olhar?
— É, sim.
— Então! Quem sabe esse Calixto não foi um oftalmologista dos bons?

Esforcei-me para segurar o riso. A essa altura o ônibus já estava na ponte que passa
sobre o rio Itanhaém. Era uma noite estrelada, e as luzes das casas, clubes e da própria
ponte se refletiam no rio, formando uma imagem incrível, parecida com as cidades americanas
que sempre aparecem em filmes românticos.
Despertei do meu sonho poético e percebi que as senhoras ainda estavam sem saber
quem eram aquelas pessoas. Uma ideia surgiu-me para resolver o problema. Escrevi rapidamente
em uma folha: “Benedito Calixto – pintor itanhaense que retratou como ninguém
diversas paisagens da cidade. Martim Afonso – navegador que fundou Itanhaém. Padre
Anchieta – catequista que ajudou os índios da cidade no período colonial”. Caso você
conheça um pouco a história da minha cidade, poderá achar essas explicações simples
demais, mas tente entender: eu estava sem tempo e sem uma solução melhor! Dobrei o
papel e levantei-me. Dei o sinal e, assim que o ônibus parou, deixei cair o papelzinho no colo
de uma das senhoras. Antes que ela pudesse dizer algo, desci rapidamente, certa de que
não me perdoaria se não acabasse com aquelas dúvidas.
Olhei ao meu redor: encontrava-me na Praça Narciso de Andrade, entre a Igreja Matriz
e a Casa de Câmara e Cadeia, construções necessárias para que Itanhaém fosse oficializada
como cidade. Mais à frente estavam a Casa do Olhar Benedito Calixto, com suas exposições,
e o Convento, uma das primeiras igrejas do Brasil. Todos esses lugares transmitem uma
grande paz e enchem de orgulho os habitantes da cidade.
Benedito Calixto, Martim Afonso, Padre Anchieta... Grandes homens, grandes personalidades.
Fui andando certa de que eles estão imortalizados em cada canto da cidade, pois
sem eles Itanhaém não seria o mar de história e cultura que é hoje, e sim apenas outra
cidade praiana...
Professora: Sandra Regina de Camargo
Escola: E. M. Professora Maria da Conceição Luz • Cidade: Itanhaém – SP



Castelo Branco agora é feira
Aluna: Thamirys Lima do Amaral Silva
O que um dia foi uma praça para os namorados, como dizem os mais antigos da cidade,
é hoje um ponto de vendas para feirantes, mototáxis loucos por clientes, estacionamento
de bicicletas cargueiras que ficam juntas num cantinho à beira da rua, à espera de cargas.
Por entre as folhagens da frondosa e velha árvore que vem resistindo ao tempo posso
ouvir um sussurro em tom de tristeza: “O que fizeram com minha estátua que um dia foi alvo
de admiração?” É a voz de Castelo Branco trazida pelo vento que logo desaparece.
Em frente à antiga Praça Castelo Branco, a feirinha vai aos poucos sendo engolida
pelo barranco que insiste em levar a frente da cidade. Do outro lado do rio, que por sinal
é bem estreito e de águas barrentas, estende-se uma nova “cidade”, na qual, olhando
daqui, posso ver a pequena escola de madeira, uma igrejinha e casas bem humildes que
aumentam a cada ano. Eu me pergunto: será que nossa Eirunepé não ficaria melhor do
outro lado do rio?
Na feirinha, ficam os vendedores despreocupados, porque no interior é assim: tudo
muito pacato. Observo a mulher que chega, se aproxima dos jerimuns amontoados sobre a
calçada e pergunta:
— Quanto custa?
Antes que o vendedor pudesse responder, um homem aparentando seus sessenta anos,
usando óculos escuros e boné preto, interrompe:
— Presta, não, minha filha, esses das cascas vermelhas eu conheço, já plantei muito.
O bom mesmo é esse verdinho rajado, jerimum caboclo. Já plantei de muitos tipos, mas
esse vermelhinho só fiquei com ele um ano.
Não entendo como podem existir pessoas tão intrometidas, que entram a martelo.
O vendedor tentava falar algo, mas não conseguia, pois os dois não se calavam.

Olhando para o outro lado da velha praça, a mulher encontrou uma maneira de fugir
do desconhecido e, fingindo se interessar pelas melancias à venda espalhadas pelo chão,
foi em direção a elas e desta vez o vendedor levou a melhor, pois este era mais esperto
que o primeiro.
E os mototáxis? Ah, esses estavam sentados num banco pertinho do orelhão, provavelmente
à espera da ligação de um cliente. Quando o telefone tocou, eram uns por cima dos
outros, correndo para ver quem atendia primeiro. Um sortudo e rápido atendeu, e adivinhe...
Era engano! Os outros começaram a rir.
É, na praça é assim, todos agem com cumplicidade e ao mesmo tempo muito atentos a
tudo. Lá tem monotonia, mas tem também muita concorrência. Quem é mais esperto ganha
o freguês.
E a concorrência pelo cliente continua...
— Alguém pode me levar ao Conjunto Beija-Flor?
Professora: Maria de Fátima Rocha Farias
Escola: E. E. Francisca Mendes • Cidade: Eirunepé – AM



Cidade maternal
Aluno: Lucas Martelli de Medeiros Silva
Vivo no sudeste nacional, na Nova Iorque brasileira, a cidade que nunca para. Vivo na cidade
de São Paulo. Durante o dia, suas estradas transformam-se em veias, cada pequeno
cidadão é uma hemácia no fluxo frenético da cidade, cada edifício é uma parte do esqueleto,
sua estrutura; cada janela, de cada prédio, de cada casa, faz parte de sua visão. Vejo os fios
de alta voltagem fazendo ligações entre si, tal como neurônios.
À noite, um novo mundo surge, surge também uma nova cidade. Ouço na batida constante
dos bailes a batida de um coração, no vento que sopra frio e sereno, sua respiração;
nas sombras noturnas e na escuridão, seu lado obscuro.
A São Paulo que possui temperamento forte, cidade que, se fosse gente, seria mulher,
e, como mulher, seria, ou melhor, é mãe, mãe que abriga em seu ventre filhos dos mais variados
sotaques, filhos que vêm de longe, além da serra, além do mar, além do seu horizonte,
além. Cidade, que além de mãe, é o romance de várias e várias pessoas, homens e mulheres,
crianças ou idosos - difícil não se apaixonar por essa bela senhora. Entretanto, difícil
é também não sentir dores no peito, ao ver a face triste da cidade: tristeza, morte, fome,
vidas alienadas...
São Paulo, a cidade que tem uma surpresa em casa esquina, em cada beco, em cada
praça, em cada rua. Que tem mil faces e mil lugares, lugares, muitas vezes, paradoxais,
Édens e Tártaros dividindo o mesmo espaço, onde é comum a miséria andar lado a lado
com o luxo, onde, constantemente, a humildade cruza com a soberba.
Terra da garoa, bebo do seu sangue, nado em seu olhar, respiro o seu perfume, pulso ao
seu pulsar, vivo em seu fluxo que não para um segundo e, a cada novo dia, encontro um
novo mundo.
Professora: Adriana da Silva Chaves
Escola: Escola Técnica Estadual Parque da Juventude • Cidade: São Paulo – SP


Descoberta inocente
Aluna: Milene Cristina Alves Cantor
A cidade ainda está acordando. O ônibus para à beira da rodovia e a criança entra pela
primeira vez.
Quando o veículo entra em movimento, o pequeno ser nem tenta imaginar o que o
espera, se atira imediatamente a espiar pela janela.
Estava prestes a descobrir o mundo.
Plantações ainda maiores, de todos os tipos de grãos, indústrias recém-abertas,
comércio recém-chegado e gente recém-acolhida por essa terra de toda gente enchem os
olhos da criança.
Está descobrindo o mundo.
Na cidade, nada de monumentos históricos ou grandes pontos turísticos, apenas pessoas
trabalhando. A criança se vê confusa. Por que a maior cidade do norte, com o potencial de
uma capital, tinha só pessoas trabalhando sem parar? Sem parar ao menos para dizer:
— Como essa cidade cresce!
O tempo vai passando e a criança se torna homem.
À beira da rodovia o homem entra no ônibus, não mais pela primeira vez.
A vista da janela mudou. Vê plantações muito maiores, ruas cheias de lojas, grandes
praças, gente andando em todo lugar.
A cidade ainda não parou para admirar sua grandiosidade, mas agora o homem já entende.
São 120.000 pessoas carregando nos ombros a tarefa de desenvolver uma cidade juntas.
Assim a cidade continua crescendo, conquistando respeito nacional, exportando mais do que a
agricultura pode oferecer, encantando o mundo por estar no peito de um certo “piloto voador”.
Tudo isso para que essa terra continue sendo a cidade que não para de crescer, que
aprende a caminhar por si própria, conquistando novos horizontes como se ainda fosse
uma criança que descobre o mundo.
Professor: Sidinei de Oliveira Cardoso
Escola: E. E. Professora Edeli Mantovani • Cidade: Sinop – MThttp://cenpec.org.br/olimpiada-de-lingua-portuguesa.